A Era das Narrativas e a Distopia do Controle Emocional
O texto critica a distorção da inteligência emocional e o domínio das narrativas sobre os fatos na sociedade contemporânea. Ele argumenta que, no Brasil, conceitos como psicologia positiva e teologia da prosperidade têm sido manipulados para justificar comportamentos oportunistas. O exemplo do debate entre Pablo Marçal e Luiz Datena ilustra como a ética e a moral podem ser banalizadas sob o pretexto do autocontrole emocional.
Danilo Braga
3/10/20252 min read


Vivemos em tempos onde a distorção do pensamento crítico se infiltra no dia a dia. O Brasil, terreno fértil para teorias desvirtuadas e gurus de ocasião, tem visto o conceito de inteligência emocional ser subjugado por uma interpretação manipuladora. A psicologia positiva, filosofia de vida ou, mais gravemente, a teologia da prosperidade, tornou-se uma bandeira que muitos empunham para justificar seus atos e pensamentos. Um exemplo claro dessa deturpação foi o debate entre Pablo Marçal e Luiz Datena na TV Cultura. Ali, pudemos testemunhar a vulgarização de conceitos éticos e morais em nome de um autocontrole emocional que, ao invés de promover a empatia e a compreensão, serve apenas para tirar proveito.
A inteligência emocional, muitas vezes apresentada como a capacidade de controlar emoções, vai muito além disso. O verdadeiro sentido desse conceito não reside no controle frio e calculado dos sentimentos para manipular, mas sim no autoconhecimento e na habilidade de reconhecer a si mesmo e ao outro. Essa troca dinâmica de compreensão entre indivíduos deveria ser usada para o bem comum, e não para o oportunismo que, em certos casos, roça a psicopatia social.
Vivemos numa sociedade onde narrativas têm se sobreposto aos fatos. As redes sociais desempenham um papel crucial nesse fenômeno. Em um mundo saturado de informações, é fácil criar histórias simples e dicotômicas – o bem contra o mal, o herói contra o vilão. Esse maniqueísmo afasta as pessoas da verdade factual, impondo visões distorcidas da realidade. Essas narrativas não apenas seduzem, mas também formam opiniões. Pessoas deixam de investigar, de pensar criticamente, de checar fatos. Passam a consumir conteúdos prontos, sem questionar, sem dialogar.
No mercado de trabalho, esse fenômeno se reflete de maneira preocupante. A busca pelo sucesso a qualquer custo, o individualismo desenfreado e a ética flexível parecem ser as novas leis de sobrevivência. Em vez de usar a inteligência emocional para contribuir com a evolução coletiva, muitos se aproveitam das fraquezas e inseguranças alheias para benefício próprio. Contudo, é fundamental que entendamos que um sistema assim só pode prosperar temporariamente. A longo prazo, a falta de responsabilidade coletiva e de empatia se volta contra todos.
O individualismo não é, por si só, um problema. Desde que seja sustentado por uma moral sólida, pela ética pública e pelo respeito às leis, ele pode coexistir com a coletividade. No entanto, o que temos visto são indivíduos que, ao carecerem de valores éticos profundos, usam a própria individualidade como escudo para a ausência de responsabilidade social. E é justamente aí que reside o perigo. Líderes como Pablo Marçal e Augusto Cury, por exemplo, personificam essa nova era de gurus, com discursos que beiram a religião, e que, ao invés de libertar, aprisionam. Quando a espiritualidade vira ferramenta de manipulação, ela deixa de ser algo positivo e se torna um instrumento de controle.
Encerrando essa reflexão, deixo o seguinte questionamento: em que ponto passamos a valorizar mais a narrativa que o fato? Por que essa preguiça de pensar, de checar informações, de realmente conversar e construir uma argumentação sólida? A conversa genuína foi trocada por discursos prontos, por respostas automáticas, por chavões que não suportam o peso de uma discussão profunda.
Que esse texto sirva como um convite à reflexão. Precisamos, urgentemente, resgatar a verdade factual, a ética e a inteligência emocional em sua forma mais pura, para que possamos evoluir como sociedade.